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sábado, 16 de julho de 2016

ROBERT DARNTON - LITERATURA

CENSURADOS
Como vetos à literatura ocorrem 
pela ação de gente culta
Historiador americano Robert Darnton 
mostra como censores discriminavam 
um texto refinado de um embuste literário 
na França, Alemanha e Índia


Carta Capital - O historiador, surpreendido com a censura brasileira, que intimou Sófocles a depor
Nem mesmo em 1989 havia alguém tão especializado em Iluminismo quanto o historiador americano Robert Darnton. Eis por que o Brasil o chamava a palestrar sobre o bicentenário da Revolução Francesa. Então aos 50 anos de idade, pai de três filhos, erudito de Harvard e Oxford, ex-repórter policial do New York Times, autor de livros escritos com a clareza dos dias, pesquisados nas profundezas dos arquivos, Robert Darnton mal podia crer em tudo aquilo que presenciava na capital paulista.

Seus habitantes eram cientes do mundo ao redor. Os raios de sol, constantes. Os discursos, inacreditavelmente bem compostos pelo candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva. A ascensão do Partido dos Trabalhadores causava profunda excitação em qualquer historiador. E que livrarias São Paulo tinha.

Em agosto daquele ano, Darnton pegaria na capital paulista um voo para Berlim. Convidado por um instituto de estudos avançados, escreveria ali, por um ano, mais uma monografia sobre seu assunto de imersão. Antes partiria para Halle, na então Alemanha Oriental, para um encontro acadêmico. “Eu havia saído do Brasil, que era a luz, para chegar às trevas”, conta a CartaCapital por telefone a partir de Harvard, onde hoje é professor aposentado e dirige sua biblioteca, a maior entre as universitárias em todo o mundo. “Eu estava, então, na profunda Alemanha Oriental, sob uma atmosfera diferente e fascinante, nas suas cidades em que tudo era poluído, chovia o tempo todo e não havia energia elétrica à noite.”
  
Em A Vida dos Outros, a Alemanha Oriental vigiada

Nem por um momento imaginou, então, que a divisão entre dois sistemas políticos estivesse prestes a se esfacelar. “Queria poder dizer a você que eu sabia antecipadamente que o muro iria cair, mas não tinha a menor ideia”, diz sobre o evento a selar o fim da Guerra Fria. Enquanto estudava a revolução burguesa ocorrida dois séculos antes, uma transformação de fato se dava diante de seus olhos. “O chão começou a tremer. Eu saía, assistia às manifestações, conversava com os habitantes.

Assim que o muro caiu, em novembro, interrompi meu livro e passei o tempo a viajar para Berlim Oriental e a escrever artigos sobre o que via.”
Interessou-se pelos arquivos do regime e descobriu que fora distinguido por eles. “Um amigo alemão oriental me contou, em 1992, que eu tinha meu próprio dossiê na polícia política Stasi, citado como um ‘jovem burguês progressista’. Nunca vi esse arquivo. Mas o xingamento me divertiu muito, me pareceu elogioso.” Enquanto pesquisava, descobria um universo inaudito.

Os alemães-orientais não apenas censuraram livros. Eles organizaram um imenso sistema para encaminhar a literatura a seus propósitos ditos revolucionários. Os censores discriminavam um texto refinado de um embuste literário. Quando censuravam, às vezes impossibilitando a carreira de um autor, agiam como professores, o que de fato eram, advindos dos melhores cursos de Letras. 

Darnton entrevistou dois desses censores, empenhado em mantê-los próximos com simpatia, conforme lhe ensinara a prática jornalística. Sentiu-se incrédulo que ainda advogassem a permanência do muro, este que mantivera distante dos leitores a realidade do país, apenas descrita nos livros se transcorrida ficcionalmente em países capitalistas (os personagens alcoólatras, por exemplo, tinham de ser americanos). A Alemanha Oriental do período, dos móveis às vestimentas e aos comportamentos, foi descrita em perfeição, crê o historiador, no filme A Vida dos Outros, de Florian Henckel von Donnersmarck.

Censores em Ação. Robert Darnton. 
Companhia das Letras, 376 págs. Edição impressa, R$ 69,90. 
Livro digital, R$ 39,90

Censores em Ação, lançado agora no Brasil, é o livro em que Darnton analisa, além do sistema alemão-oriental, o sofisticado veto britânico à produção literária indiana, no século XIX, ocorrido até mesmo contra os ideais libertários de expressão defendidos na Inglaterra, e a censura aos livros na Paris dos anos 1700, quando toda publicação, caso não pudesse obter uma autorização real para se efetivar, deveria tentar a sorte em Amsterdã ou Genebra. Darnton estuda como o diretor do comércio de livros comandava uma cadeia de censores e, com o apoio da polícia, restringia a ação dos livreiros clandestinos.

“Havia um inspetor especializado em literatura na polícia francesa. Ele passava todo o tempo a andar pelas livrarias. Refazia a trilha dos autores, conhecia os iluministas.” Darnton gastou horas a entrevistar, por assim dizer, os inspetores da Paris de 250 anos atrás. “A polícia francesa do século XVIII era muito mais sofisticada do que a americana do século XX, quando comecei no jornalismo.” O historiador perdeu o pai enquanto ele cobria a Segunda Guerra Mundial para o New York Times.

“Órfão aos 3 anos, cresci com a ideia de que ser um repórter de jornal era a melhor coisa que jamais se poderia fazer na vida.” Seu irmão tornou-se jornalista, e sua mãe, igualmente editora daquele jornal, sofreu quando Darnton constatou que os arquivos, com os quais aprendera a lidar em Oxford, davam-lhe muito mais satisfação pessoal do que relatar assassinatos e assaltos a banco. “Eu fui a ovelha negra da família. Me tornei apenas mais um professor universitário.”

Na França, por J. Watteau, a transmissão dos libelos

Um professor que escreve como jornalista, imbuído das palavras nítidas, e que se propôs a analisar uma ação patrocinada pelo Estado, como subscreve o entendimento da censura. Em seu livro, descreveu casos duros. Na Alemanha Oriental, o editor Walter Janka, apesar de leal à ideologia em curso no país, passou cinco anos em uma solitária, autorizado a ver a mulher por apenas duas horas ao ano, apenas porque protegera George Lukács, um autor que caíra em desgraça no partido. 

Darnton, contudo, ressalva que, nos três sistemas por ele estudados, quem cortava textos sabia por que o fazia. Os censores franceses concentravam-se mais em questões de conteúdo e estética e menos em ameaças à Igreja, ao Estado e à moralidade. Um censor que era teólogo atestou certa vez que um livro sobre história natural lhe parecia uma ótima leitura. Ele não conseguiu largar o livro, disse, porque inspirava no leitor “essa curiosidade ávida, mas doce, que nos faz continuar a leitura”. Darnton pergunta-se: “Será essa a linguagem que se espera de um censor?”

Por todo o ensaio, o que o historiador parece desejar é que se desfaça uma ampla relativização do conceito (a seu ver, a censura jamais se dá fora do âmbito estatal) e que ela não seja entendida de modo maniqueísta. “Convenci-me, depois da leitura das correspondências e dos memorandos internos dos censores franceses, que se tratava de indivíduos altamente inteligentes. Tinham boas relações com os autores, melhoravam os textos com sugestões. Tentavam defender a honra da literatura francesa. A censura no século XVIII francês foi positiva. Com a ressalva, claro, de que o Iluminismo não passava pela censura, pois era editado em libelos ou em publicações fora da França.”

Darnton lamenta conhecer pouco a história latino-americana. Contudo, enquanto produz um novo ensaio, em torno do vendedor de livros que, montado a cavalo na França de 1778, realizou uma Tour de France por livrarias, sua releitura de cabeceira é O Aleph, de Jorge Luis Borges. O historiador reage com espanto ao saber que no Brasil os censores nunca foram muito inteligentes. E que, na ditadura, convocaram o filósofo Sófocles a depor sobre uma montagem de Antígone.

Leitor das notícias do Brasil a partir do New York Times, Darnton também ignorava que uma decisão do Legislativo impediu recentemente os professores de Alagoas de opinar em sala de aula e que a Justiça havia proibido os estudantes de uma universidade pública de Minas Gerais a discutir o impeachment. Mais que isso, uma censura de mercado, fundamentalista religiosa, dificulta a impressão de obras tidas por blasfemas, como ocorreu a Gênesis, de Robert Crumb. “Meu coração fica com os brasileiros, porque vivem essa crise tão grande. Só posso me solidarizar com eles.” 

*Postagem: Carta Capital


O LIVRO
ANÁLISE DE DANIEL PRESTES

Censores em ação, de Robert Darnton e publicado no Brasil pela Companhia das Letras, busca analisar em três períodos históricos como os Estados influenciaram o fazer Literário por meio da censura, mas, antes de se deter necessariamente nos momentos que ele acompanhará, o autor nos diz que é necessário ter em mente o que seria a censura, para não cairmos em generalizações. Ele retoma essa mesma questão, ao final do livro, a fim de fazer um arremate nas ideias desenvolvidas no correr do texto.

Daniel, mas por que falar de um livro sobre censura na literatura?

Para além do óbvio, que é o fato dessa coluna ser sobre literatura e não apenas livros, há também que a relação entre Literatura e Estado ajudam na formação da nação, na instrução e no desenvolvimento de uma tradição que está intrinsicamente vinculada à maneira de pensar das pessoas.

É isso que acompanhamos, por exemplo, na terceira parte do volume, que trata sobre o modo como trabalhavam os censores no período da União Soviética, que me pareceu ser um jeito bastante interessante de aliar exemplos vistos nos outros dois períodos analisados anteriormente pelo autor, a saber: a França dos Bourbon e a Índia Britânica.

Na primeira parte, vemos como a Censura pode ter uma face positiva. Na época dos Bourbon havia toda uma estrutura de avaliação do texto por censores que davam a autorização real para que a obra fosse publicada. Havia outras maneiras de se publicar um texto? Havia. Mas, ter o privilégio de ser publicado com a chancela real era algo que muitos autores queriam, assim, muito mais do que censurar, tinha-se ali a questão do poder publicar.

No entanto, obras que sabidamente não receberiam as chancelas reais de publicação nem eram enviadas aos censores reais para avaliação do texto, estas eram logo encaminhadas para fora, como a Holanda, por exemplo, a fim de serem publicadas e depois contrabandeadas para o interior da França. No geral, essas obras eram de cunho político-satírico ou eróticas.

O mais interessante é perceber que todo esse problema com o conteúdo de obras clandestinas fez crescer o crime de contrabando e pirataria como movimento de “contra-censura” e no qual muitas pessoas importantes e mesmo que deveriam evitar tal coisa, se juntassem à prática.

Já na Índia Britânica, em teoria, não havia censura. Como mostra Darton, ao citar os documentos de publicações anuais do país, havia um volume muito grande de publicações, a maioria vista como menores pelos ingleses que colhiam informações sobre elas.

Contudo, são essas publicações menores que ajudaram a criar um sentimento nacionalista entre as pessoas, que acabou ocasionando, junto a outros elementos, levantes contra a Coroa Real Britânica, fazendo com que os Ingleses passassem não só a prestar mais atenção no que era publicado, como também a manipular os conceitos de sedição.

Então temos a censura na União Soviética, que alia a permissão do Estado para as publicações como uma eterna vigilância daqueles que estão inseridos em todas as etapas do meio editorial, criando o clima de tensão que já conhecemos das nossas aulas de história sobre os países em que governos ditatoriais assumem o poder.
Confesso que em muito das descrições feitas por Darton me lembrei do que se fala sobre a nossa Ditadura Militar.

Porém, o que é interessante em todo o processo instalado nesse terceiro período é que a censura seria como o poder, a forma como o poder está associado ao pensamento de Foucault. A censura é risomática, não está unicamente numa relação vertical e descendente, ela é também vertical e ascende e foge por tangentes.
O ponto chave aqui é que, a censura assume ares de negociação, como visto no período Bourbon, em que ser influente e ter amigos influentes, ajudavam no processo de permissão da publicação e que também era assegurado pelas informações colhidas pela polícia soviete, a Stasi.

Voltando agora para a resposta que eu dei a pergunta feita no início desse texto, que fala sobre o papel que a interferência do Estado na Literatura faz com o povo sob domínio desse Estado, temos que o gosto e a visão de mundo e mesmo o que nos impele a ir contra o que está instituído perpassa pela ação do Estado no fazer Literário, por mais que não tenhamos acesso diretamente ao que é publicado.

Por exemplo, imagino que muitos que me leem neste momento não tenham lido Homero ou Platão, e mesmo desconheçam integralmente a história de Bento e Capitu, mas, ainda assim, essas histórias estão em nossa memória literária e moldam a sociedade de certa maneira, como tentava mostrar Vasques, em sua história da literatura, A Poeira da Glória.

Para além disso, ela nos mostra como, socialmente, nós pensamos a Literatura, o Mercado Editorial e permitem mapear os nossos gostos literários.


 *Postagem: Revista Forum




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