CENSURADOS
Como vetos à literatura
ocorrem
pela ação de gente culta
pela ação de gente culta
Historiador americano
Robert Darnton
mostra como censores discriminavam
um texto refinado de um embuste literário
na França, Alemanha e Índia
mostra como censores discriminavam
um texto refinado de um embuste literário
na França, Alemanha e Índia
Carta Capital - O historiador, surpreendido com a censura brasileira, que intimou Sófocles a depor
Nem mesmo em 1989 havia
alguém tão especializado em Iluminismo quanto o historiador americano Robert
Darnton. Eis por que o Brasil o chamava a palestrar sobre o bicentenário da
Revolução Francesa. Então aos 50 anos de idade, pai de três filhos, erudito de
Harvard e Oxford, ex-repórter policial do New York Times, autor de livros
escritos com a clareza dos dias, pesquisados nas profundezas dos arquivos,
Robert Darnton mal podia crer em tudo aquilo que presenciava na capital
paulista.
Seus habitantes eram
cientes do mundo ao redor. Os raios de sol, constantes. Os discursos,
inacreditavelmente bem compostos pelo candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva. A ascensão do Partido
dos Trabalhadores causava profunda excitação em qualquer historiador. E que
livrarias São Paulo tinha.
Em agosto daquele ano,
Darnton pegaria na capital paulista um voo para Berlim. Convidado por um
instituto de estudos avançados, escreveria ali, por um ano, mais uma monografia
sobre seu assunto de imersão. Antes partiria para Halle, na então Alemanha
Oriental, para um encontro acadêmico. “Eu havia saído do Brasil, que era a luz,
para chegar às trevas”, conta a CartaCapital por telefone a partir de
Harvard, onde hoje é professor aposentado e dirige sua biblioteca, a maior
entre as universitárias em todo o mundo. “Eu estava, então, na profunda
Alemanha Oriental, sob uma atmosfera diferente e fascinante, nas suas cidades
em que tudo era poluído, chovia o tempo todo e não havia energia elétrica à
noite.”
Nem por um momento
imaginou, então, que a divisão entre dois sistemas políticos estivesse prestes
a se esfacelar. “Queria poder dizer a você que eu sabia antecipadamente que o
muro iria cair, mas não tinha a menor ideia”, diz sobre o evento a selar o fim
da Guerra Fria. Enquanto estudava a revolução burguesa ocorrida dois séculos
antes, uma transformação de fato se dava diante de seus olhos. “O chão começou
a tremer. Eu saía, assistia às manifestações, conversava com os habitantes.
Assim que o muro caiu, em
novembro, interrompi meu livro e passei o tempo a viajar para Berlim Oriental e
a escrever artigos sobre o que via.”
Interessou-se pelos
arquivos do regime e descobriu que fora distinguido por eles. “Um amigo alemão
oriental me contou, em 1992, que eu tinha meu próprio dossiê na polícia
política Stasi, citado como um ‘jovem burguês progressista’. Nunca vi esse
arquivo. Mas o xingamento me divertiu muito, me pareceu elogioso.” Enquanto
pesquisava, descobria um universo inaudito.
Os alemães-orientais não
apenas censuraram livros. Eles organizaram um imenso sistema para encaminhar a
literatura a seus propósitos ditos revolucionários. Os censores discriminavam
um texto refinado de um embuste literário. Quando censuravam, às vezes impossibilitando
a carreira de um autor, agiam como professores, o que de fato eram, advindos
dos melhores cursos de Letras.
Darnton entrevistou dois
desses censores, empenhado em mantê-los próximos com simpatia, conforme lhe
ensinara a prática jornalística. Sentiu-se incrédulo que ainda advogassem a
permanência do muro, este que mantivera distante dos leitores a realidade do
país, apenas descrita nos livros se transcorrida ficcionalmente em países
capitalistas (os personagens alcoólatras, por exemplo, tinham de ser
americanos). A Alemanha Oriental do período, dos móveis às vestimentas e aos
comportamentos, foi descrita em perfeição, crê o historiador, no filme A
Vida dos Outros, de Florian Henckel von Donnersmarck.
Censores em Ação. Robert
Darnton.
Companhia das Letras, 376 págs. Edição impressa, R$ 69,90.
Livro digital, R$ 39,90
Companhia das Letras, 376 págs. Edição impressa, R$ 69,90.
Livro digital, R$ 39,90
Censores em Ação, lançado
agora no Brasil, é o livro em que Darnton analisa, além do sistema
alemão-oriental, o sofisticado veto britânico à produção literária indiana, no
século XIX, ocorrido até mesmo contra os ideais libertários de expressão
defendidos na Inglaterra, e a censura aos livros na Paris dos anos 1700, quando
toda publicação, caso não pudesse obter uma autorização real para se efetivar,
deveria tentar a sorte em Amsterdã ou Genebra. Darnton estuda como o diretor do
comércio de livros comandava uma cadeia de censores e, com o apoio da polícia,
restringia a ação dos livreiros clandestinos.
“Havia um inspetor
especializado em literatura na polícia francesa. Ele passava todo o tempo a
andar pelas livrarias. Refazia a trilha dos autores, conhecia os iluministas.”
Darnton gastou horas a entrevistar, por assim dizer, os inspetores da Paris de
250 anos atrás. “A polícia francesa do século XVIII era muito mais sofisticada
do que a americana do século XX, quando comecei no jornalismo.” O historiador
perdeu o pai enquanto ele cobria a Segunda Guerra Mundial para o New York
Times.
“Órfão aos 3 anos, cresci
com a ideia de que ser um repórter de jornal era a melhor coisa que jamais se
poderia fazer na vida.” Seu irmão tornou-se jornalista, e sua mãe, igualmente
editora daquele jornal, sofreu quando Darnton constatou que os arquivos, com os
quais aprendera a lidar em Oxford, davam-lhe muito mais satisfação pessoal do
que relatar assassinatos e assaltos a banco. “Eu fui a ovelha negra da família.
Me tornei apenas mais um professor universitário.”
Na França, por J. Watteau, a transmissão dos libelos |
Um professor que escreve
como jornalista, imbuído das palavras nítidas, e que se propôs a analisar uma
ação patrocinada pelo Estado, como subscreve o entendimento da censura. Em seu
livro, descreveu casos duros. Na Alemanha Oriental, o editor Walter Janka,
apesar de leal à ideologia em curso no país, passou cinco anos em uma
solitária, autorizado a ver a mulher por apenas duas horas ao ano, apenas
porque protegera George Lukács, um autor que caíra em desgraça no
partido.
Darnton, contudo, ressalva
que, nos três sistemas por ele estudados, quem cortava textos sabia por que o
fazia. Os censores franceses concentravam-se mais em questões de conteúdo e
estética e menos em ameaças à Igreja, ao Estado e à moralidade. Um censor que
era teólogo atestou certa vez que um livro sobre história natural lhe parecia
uma ótima leitura. Ele não conseguiu largar o livro, disse, porque inspirava no
leitor “essa curiosidade ávida, mas doce, que nos faz continuar a leitura”.
Darnton pergunta-se: “Será essa a linguagem que se espera de um censor?”
Por todo o ensaio, o que o
historiador parece desejar é que se desfaça uma ampla relativização do conceito
(a seu ver, a censura jamais se dá fora do âmbito estatal) e que ela não seja
entendida de modo maniqueísta. “Convenci-me, depois da leitura das
correspondências e dos memorandos internos dos censores franceses, que se
tratava de indivíduos altamente inteligentes. Tinham boas relações com os
autores, melhoravam os textos com sugestões. Tentavam defender a honra da
literatura francesa. A censura no século XVIII francês foi positiva. Com a
ressalva, claro, de que o Iluminismo não passava pela censura, pois era editado
em libelos ou em publicações fora da França.”
Darnton lamenta conhecer
pouco a história latino-americana. Contudo, enquanto produz um novo ensaio, em
torno do vendedor de livros que, montado a cavalo na França de 1778, realizou
uma Tour de France por livrarias, sua releitura de cabeceira é O
Aleph, de Jorge Luis Borges. O historiador reage com espanto ao saber que no
Brasil os censores nunca foram muito inteligentes. E que, na ditadura,
convocaram o filósofo Sófocles a depor sobre uma montagem de Antígone.
Leitor das notícias do
Brasil a partir do New York Times, Darnton também ignorava que uma decisão
do Legislativo impediu recentemente os professores de Alagoas de opinar em sala
de aula e que a Justiça havia proibido os estudantes de uma universidade
pública de Minas Gerais a discutir o impeachment. Mais que isso, uma censura de mercado,
fundamentalista religiosa, dificulta a impressão de obras tidas por blasfemas,
como ocorreu a Gênesis, de Robert Crumb. “Meu coração fica com os
brasileiros, porque vivem essa crise tão grande. Só posso me solidarizar com
eles.”
*Postagem: Carta Capital
O LIVRO
ANÁLISE DE DANIEL PRESTES
Censores em ação, de Robert
Darnton e publicado no Brasil pela Companhia das Letras, busca analisar em
três períodos históricos como os Estados influenciaram o fazer Literário por
meio da censura, mas, antes de se deter necessariamente nos momentos que ele
acompanhará, o autor nos diz que é necessário ter em mente o que seria a
censura, para não cairmos em generalizações. Ele retoma essa mesma questão, ao
final do livro, a fim de fazer um arremate nas ideias desenvolvidas no correr
do texto.
Daniel, mas por que falar
de um livro sobre censura na literatura?
Para além do óbvio, que é o
fato dessa coluna ser sobre literatura e não apenas livros, há também que a
relação entre Literatura e Estado ajudam na formação da nação, na instrução e
no desenvolvimento de uma tradição que está intrinsicamente vinculada à maneira
de pensar das pessoas.
É isso que acompanhamos,
por exemplo, na terceira parte do volume, que trata sobre o modo como
trabalhavam os censores no período da União Soviética, que me pareceu ser um
jeito bastante interessante de aliar exemplos vistos nos outros dois períodos
analisados anteriormente pelo autor, a saber: a França dos Bourbon e a Índia
Britânica.
Na primeira parte, vemos
como a Censura pode ter uma face positiva. Na época dos Bourbon havia toda uma
estrutura de avaliação do texto por censores que davam a autorização real para
que a obra fosse publicada. Havia outras maneiras de se publicar um texto?
Havia. Mas, ter o privilégio de ser publicado com a chancela real era algo que
muitos autores queriam, assim, muito mais do que censurar, tinha-se ali a
questão do poder publicar.
No entanto, obras que
sabidamente não receberiam as chancelas reais de publicação nem eram enviadas
aos censores reais para avaliação do texto, estas eram logo encaminhadas para
fora, como a Holanda, por exemplo, a fim de serem publicadas e depois
contrabandeadas para o interior da França. No geral, essas obras eram de cunho
político-satírico ou eróticas.
O mais interessante é
perceber que todo esse problema com o conteúdo de obras clandestinas fez
crescer o crime de contrabando e pirataria como movimento de “contra-censura” e
no qual muitas pessoas importantes e mesmo que deveriam evitar tal coisa, se
juntassem à prática.
Já na Índia Britânica, em
teoria, não havia censura. Como mostra Darton, ao citar os documentos de publicações
anuais do país, havia um volume muito grande de publicações, a maioria vista
como menores pelos ingleses que colhiam informações sobre elas.
Contudo, são essas
publicações menores que ajudaram a criar um sentimento nacionalista entre as
pessoas, que acabou ocasionando, junto a outros elementos, levantes contra a
Coroa Real Britânica, fazendo com que os Ingleses passassem não só a prestar
mais atenção no que era publicado, como também a manipular os conceitos de
sedição.
Então temos a censura na União
Soviética, que alia a permissão do Estado para as publicações como uma eterna
vigilância daqueles que estão inseridos em todas as etapas do meio editorial,
criando o clima de tensão que já conhecemos das nossas aulas de história sobre
os países em que governos ditatoriais assumem o poder.
Confesso que em muito das
descrições feitas por Darton me lembrei do que se fala sobre a nossa Ditadura
Militar.
Porém, o que é interessante
em todo o processo instalado nesse terceiro período é que a censura seria como
o poder, a forma como o poder está associado ao pensamento de Foucault. A
censura é risomática, não está unicamente numa relação vertical e descendente,
ela é também vertical e ascende e foge por tangentes.
O ponto chave aqui é que, a
censura assume ares de negociação, como visto no período Bourbon, em que ser
influente e ter amigos influentes, ajudavam no processo de permissão da
publicação e que também era assegurado pelas informações colhidas pela polícia
soviete, a Stasi.
Voltando agora para a
resposta que eu dei a pergunta feita no início desse texto, que fala sobre o
papel que a interferência do Estado na Literatura faz com o povo sob domínio
desse Estado, temos que o gosto e a visão de mundo e mesmo o que nos impele a
ir contra o que está instituído perpassa pela ação do Estado no fazer
Literário, por mais que não tenhamos acesso diretamente ao que é publicado.
Por exemplo, imagino que
muitos que me leem neste momento não tenham lido Homero ou Platão, e mesmo
desconheçam integralmente a história de Bento e Capitu, mas, ainda assim, essas
histórias estão em nossa memória literária e moldam a sociedade de certa
maneira, como tentava mostrar Vasques, em sua história da literatura, A
Poeira da Glória.
Para além disso, ela nos
mostra como, socialmente, nós pensamos a Literatura, o Mercado Editorial e
permitem mapear os nossos gostos literários.
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